terça-feira, 17 de maio de 2011

Coça-costas

“Meu nome é Luciana, eu sou dependente de homens que me dão atenção e eu estou sem falar com o Antônio Carlos há 16 dias.”
Foi a primeira vez em três meses que Ana Clara tinha aberto a boca pra falar. Vinha frequentando grupo de ajuda para mulheres carentes desde que Antônio Carlos disse que não daria certo. Embora viesse dando. Mentiu o nome. Omitiu, argumentou ela contando a melhor amiga.
- O que eu podia fazer? Descobririam quem eu sou. Desculpa, amiga, tive que usar teu nome.
Luciana perdoou. Sabia que a causa era justa e nobre. Decidiu acompanhar a amiga na reunião seguinte, mas se vingaria. Usaria o nome de Ana Clara.
Os encontros aconteciam sempre na segunda-feira. Ao contrário do que podiam imaginar, a segunda-feira é o dia mais triste para as mulheres solteiras. Não há festas, os bares estão vazios, nos shoppings nem uma mosca. A solução é voltar pra casa. Ou melhor, pro apartamento de um dormitório, com menos de 45 metros quadrados, que precisa de reformas e ainda vai levar 28 anos para ser quitado.
Ana Clara seguiu a dica da psicóloga, o grupo faria bem e, na pior das hipóteses veria que o seu drama não era maior nem pior do que o de tantas outras mulheres na casa dos 30 e que ainda não acharam o tal príncipe encantado.
O termômetro da Rua da Praia marcava 13 graus quando Ana Clara e Luciana tomaram o táxi.
- É na Borges, moço. É bem curtinha a corrida. Se não quiser fazer a gente pega outro – disse Ana Clara já avisando que a viagem duraria não mais que oito quadras.
- Pode entrar, moça.
Em dez minutos, por causa do trânsito, estavam no prédio alto e esguio da Borges de Medeiros. Na calçada, o guardador de carros reconheceu Ana Clara e avisou:
- As outras moças já entraram.
Era uma sala grande. Acarpetada com paredes brancas e cadeiras cinza, de plástico. No canto havia uma mesa com toalhas brancas até o chão. Uma garrafa térmica de chá de camomila e outra de café, sem açúcar. Um pacote de copinhos de café de plástico branco, meia dúzia daqueles palitinhos para misturar, um adoçante pela metade e um açucareiro transbordando.
Luciana contou pelo menos 23 mulheres. Todas jovens, a mais velha, a terapeuta, devia ter uns 45 anos. As outras, não tinham visto a primeira versão de Pecado Capital. A mesa ao lado a do café parecia o mostruário de uma fábrica de bolsas. De todas as cores, tamanhos, modelos e marcas. Das de camelô às de grife. Era uma sala para mulheres solteiras, independentemente da renda salarial.
- Meu nome é Cátia. Eu fui casada por cinco anos. Meu marido pediu o divórcio e eu dei. Mas ele não tem dinheiro para morar sozinho. Eu tenho dinheiro para comprar um apartamento para mim, mas continuo na casa com ele porque não quero viver sozinha.
- Muito bom, Cátia. Pelo menos, você já consegue falar. Vamos em frente – disse a psicóloga, olhando para Luciana.
Meio atrapalhada e se sentindo intimada pela terapeuta, Luciana levantou. Olhou para Ana Clara e largou falando.
- Olha, eu estou aqui por causa da Luciana. Meu nome é Ana Clara. Na verdade, eu não sou carente. Ou pelo menos eu acho. Eu sou independente. Faço o que quero, moro sozinha, não tenho que dar satisfação da minha vida a homem algum. Não preciso esquentar os pés de ninguém a noite, muito menos lembrar alguém de levar o lixo pra rua. Eu estou feliz! – afirmou Luciana, já meio gaguejando no final da frase.
- Está mesmo? – perguntou Ana Clara, olhando no fundo dos olhos da melhor amiga.
- Estou. Para que eu iria querer um namorado? – perguntou, olhando no rosto de todas as colegas de grupo.
- Para segurar tua mão no cinema! – respondeu uma ruiva que chorava sem parar.
- Para tirar os teus cabelos dos olhos e te acordar de manhã – continuou uma morena acima do peso.
E a uma a uma cada uma foi dando uma razão: ligar à noite para saber se ela está estressada, abraçá-la num momento de tristeza e comemorar com ela uma grande vitória, carregar a bolsa e comprar pipoca no cinema, esquentá-la no frio de maio, dividir uma caneca de chocolate quente, ir com ela no jogo de futebol e depois no shopping. E a lista só ia aumentando. Mas foi o último motivo que fez Luciana pensar.
- Coçar suas costas bem naquele lugar que as mãos não alcançam.
Luciana sentou e calou. Ouviu atentamente o que todas as outras disseram. Emprestou lencinhos para Ana Clara quando ela falou do fim da história com Antônio Carlos pela enésima vez. E com certeza é a milésima que Luciana ouvia.
Muitas lágrimas depois, as duas deixaram a sala e pegaram outro táxi.
- E aí, o que achou do grupo. Viu como é bom? – perguntou Ana Clara esperando a aprovação da amiga.
- Achei ótimo – concordou Luciana, meio que a contragosto.
Na manhã seguinte, depois de uma longa e reflexiva noite, Luciana saiu mais cedo de casa. Pegou o ônibus e desceu duas quadras antes do trabalho. Entrou numa loja de R$ 1,99.
- Moço, tem daqueles coça-costas de madeira?
- Tu mora sozinha, ?! Tá em falta. Tem que encomendar. Nunca vi como tem esgotado esse produto. E nem é novidade.

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