domingo, 31 de outubro de 2010

Gavetas limpas

Como a gente guarda bobagem. De tempos em tempos faço uma faxina nos armários. E encontro de tudo: roupas nunca usadas, embalagens vazias, papéis sem qualquer utilidade. Hoje foi um dia desses. Sempre me
surpreendo.
Em um bolso de um casaco encontrei um papel. Nele, anotado o celular de uma amiga que está em Londres. Numa gaveta dezenas de cartelas de remédio vazias. Compridos para a gripe que salvaram o inverno.
Numa pequena bolsa estava um prendedor de cabelos que achei que tinha perdido. Mas estava lá, guardado.
Mas me surpreendo com a quantidade de papeizinhos azuis e amarelos que entulham as gavetas. Aqueles de comprovantes de débito e crédito. Sinal de que pouco tenho usado dinheiro. Ou que estou gastando
demais.
Duas sacolas de lixo e uma gaveta limpa depois sinto uma leveza maior. Parece que agora, definitivamente, abri espaço para o novo. Bastante espaço!

sábado, 23 de outubro de 2010

Do you have gelol?

Sim, sou uma exagerada. E por isso no primeiro dia em Paris decidimos fazer um roteiro a pé, até cansar. Eu e a Denise, minha melhor amiga e companheira de indiadas, saímos de Parc La Villete para irmos ver a Torre Eiffel. Fazia muito frio. Mas a toca, os casacos e as luvas pesavam mas resolviam o problema. Desembarcamos do Metro na estação ao lado do Louvre e fomos caminhando. Margeando o Senna as horas e os quilometros iam passando e a gente não sentia. Parava para uma foto, para ler o mapa e seguíamos.
Naquela manhã de janeiro, as chuvas do inverno parisiense tinham dado uma trégua e fomos presenteadas por um lindo dia de sol. Horas depois, chegamos a Torre Eiffel. Parecia que tínhamos caminhados poucos metros, mas entre o para, volta e atravessa rua, já tínhamos nos perdido e nos achado. Subimos na torre, olhamos a cidade, choramos de emoção, ligamos para casa, e descemos.
Já começava a anoitecer e as duas seguiam animadas.
Fomos em direção ao Arco do Triunfo. De lá, disseram, vocês terão uma das mais belas vistas de Paris. A imagem da cidade luz e a sua famosa torre. Fomos. Caminhamos, caminhamos e quando chegamos ao arco, descobrimos que não havia elevador lá. Se quiséssemos curtir a paisagem teríamos que encarar os 387 degraus. Vamos, , já que estamos aqui.
E foi depois de subir e descer o arco e ainda caminhar pela Champs Élysées que estourei meus joelhos. Sim os dois. E esse era o primeiro de 28 dias de viagem. E agora?
Depois de muito insistir a Denise conseguiu me convencer a comprar uma pomada, um Gelol ou algo do tipo, para diminuir as dores.
Estávamos no Centro de Paris quando encontramos uma farmácia. Pensei, aqui alguém há de falar inglês. Entrei, procurei entre os medicamentos expostos e nada. Nada parecia com aquele tubo verde spray ou com a pomada. A solução era perguntar.
- Bonjour. Parle vous anglais? - perguntei a atendente.
- A little bit - respondeu ela, com cara de poucos amigos.
Tentei explicar em inglês que procurava por um remédio, algo para sanar a dor nos joelhos. E nada. A mulher não entendia uma vírgula. Aí tentei de tudo. Mostras as palavras no dicionário Francês/Português, fazer gestos, dizer palavras soltas. Nada dava efeito. E quando chega nesse ponto a gente não sabe se ri de nervoso ou do papel de bobo. Minha última tentativa foi dizer:
- Do you have Gelol?
Em vão. Em meio a gargalhadas minhas e da Denise, compadecida com a situação, a atendente nos olhou e disse:
- To put the inflamation out!
- Yes! Yes!
E lá se foi para o fundo da farmácia. Momentos de tensão. E eis que ela voltou com um tubo de Cataflam gel. Santo remédio. Salvou a viagem.
Fica a lição. Levar todo tipo de remédio na bagagem. E fica a dica para as empresas farmacêuticas, mesmos nomes em todo o mundo. Os viajantes agradecem!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Insônia criativa

Poucas coisas me tiram o sono. Diria que isso é quase impossível. Mas vez que outra perco o sono. E quando isso acontece, não há santo que me faça dormir. Então, escrevo.
Escrevo para tirar as ideias da cabeça. Para ordenar os pensamentos. Talvez no papel ou na tela do computador elas se diluam e me deixem descansar.
Em geral, o que me tira o sono são incertezas. Não saber se estou tomando o caminho certo. Se falei as palavras que precisam ser ditas. Se entendi o que quiseram me dizer.
Para uma pessoa ansiosa, esperar para que as coisas aconteçam no seu tempo é quase que torturante. Sou assim: sofro por antecipação. Quase que de graça. Se der certo, sofri. Se der errado, já sofri também. A dor é garantida.
O silêncio da noite e a falta de sono só me fazem pensar e repensar. Enquanto a luz da sinaleira da esquina entra pela janela do quarto, alternando entre o vermelho, o amarelo e o verde, os meus pensamentos não mudam. Quase sempre a dúvida é a mesma do semáforo. Parar? Esperar? ou Seguir?
Se a sinaleira queimar e os sono chegar, as dúvidas passam.
Santo travesseiro.

sábado, 16 de outubro de 2010

Bolhas calmantes

Para que mesmo serve o plástico bolha? Para ser furado, ora. Vai dizer que você nunca se pegou se divertindo bem mais com o plástico bolha que embala a caixa do DVD que chegou pelo Correio do que propriamente com o filme? Todo mundo faz isso.

Parece automático. Você desembala o pacote com todo cuidado para não rasgar o plástico e estourar acidentalmente alguma daquelas bolhinhas calmantes. Tem gente usa plástico bolha e o hábito de estourá-lo no lugar de remédios calmantes ou florais. Até que vira um vício.

Um belo dia você sai de casa desesperado para estourar algumas bolhinhas, mas aonde comprar plástico bolha? Eu nunca achei para vender. Então você passa em frente a uma loja de cristais. Peças delicadas, que se quebrariam ao mais delicado toque. Cristais em forma de taças, cinzeiros, vasos, elefantes e até um crucifixo. Mas você não quer os cristais, não precisa de taças de vinho tinto ou de um centro de mesa novo. Você quer o plástico bolha. Logo, peças que correm o risco de se quebrar tão facilmente só podem ser embaladas pelo melhor plástico bolha do mundo.

Claro que deve haver vários tipos de plástico bolha. Da mesma maneira em que os vídeo-games são feitos de fase. Você começa pelos mais simples, os que estouram com mais facilidade. E aos poucos vai se especializando na arte de estourar essas deliciosas bolhinhas e avança de fase. Plásticos mais espesso, bolhas maiores. Tri bom.

Mas vamos voltar a loja de cristais. Aí você escolhe o vaso mais alto e de boca bem larga. Quanto maior a peça, mais plástico bolha. O preço nesta altura do campeonato pouco importa. Cinco vezes no cartão de crédito e pronto. Ainda bem, pois afinal, nesta altura do campeonato você daria um rim por cinco centímetros quadrados daquelas bolhinhas. Sai da loja com dois quilometros e meio de plástico bolha. Alegria pra um final de semana inteiro.

O vaso vazio fica na estante. Juntando poeria. Já o plástico bolha, que não tem mais nenhuma bolha inteira, esse sim merece destaque ao lado o sofá e em frente a tv.

Cansei...

Cansei de ficar em casa esperando que a vida aconteça. Cansei de esperar pelo trem na plataforma da estação. Cansei de esperar o elogio que tu nunca me fez. Cansei de jogar na loteria e nunca acertar mais do que um número. Cansei de tocar a companhia das casas vazias.

Faz muito tempo que cansei. Foi quando acordei. Quando parei de correr atrás e respirei. Olhei para a direita. Para a esquerda. Olhei para trás e vi que a vida tinha ficado lá longe. Nada me pertencia, nada era meu. Eu corria por coisas que não eram para mim. o carrinho que eu empurrava, pesado, não tinha nenhum pertence meu.

Foi aí que eu finalmente parei. Parei de novo. Respirei um, duas, três vezes. Começou a chover. As gotas da chuva pareciam entrar pelos meus poros e lavar todo aquele ranso que me me acompanhou por anos. Estava limpa. Zerada. Podia seguir. Só não sabia para onde.

Por muito tempo fui para onde me diziam para ir. Ia para não andar sozinha. Ia para não me sentir solitária. Mas me sentia solitária mesmo assim. Caminhava com pessoas ao meu lado que pareciam não me ver. Era uma invisibilidade visível.

Demorou para que eu me desse conta disso. Larguei o carrinho que, eu mesmo sem saber para onde ia, eu continuava empurrando. Fui deixando as coisas pelo caminho. Esvaziando o carrinho. Agora quero colocar coisas novas e antigas mas que sejam minhas. Coisas que eu queria, que eu goste. Coisas que eu deseje e ame.

Vou seguir caminhando. Mesmo sem fôlego, ofegante quanto aquela criança que corre atrás do vendedor de sorvete na beira da praia. Cansei, mas respiro mais uma vez. A recompensa promete ser gratificante como um picolé de limão sob o sol escaldante de Cidreira.