terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Inquilinas

Um dia ainda descubro o que atrai tantas abelhas pro meu quarto. Travo com elas uma relação de amor e ódio. Se bem que nos últimos meses tem sido constantemente de ódio.

No frio do inverno, minhas amigas abelhudas nem pensavam em entrar na minha câmara fria. Gelado que só ele, meu quarto era sereno, sem zunidos nem ferrão. As noites eram tranquilas e, durante o dia, não precisava andar cuidando onde piso como se o tapete do meu quarto fosse um campo minado.

E foi o calor da primavera chegar que elas fizeram da minha janela uma vitrine para quem quiser apreciar o voo das minhas inquilinas. Desconfio seriamente de que elas foram atraídas pela cortina de flores que pendurei na única janela por onde o sol e a luz do semáforo da esquina insistem em entrar.

Desde então elas não me abandonaram. Estranho é que ao invadir o quarto, elas se concentram primeiro em uma lâmpada. Depois, rumam para a janela. Ficam horas zunindo no vidro como se ele, além de transparente, fosso permeável. Ficam batendo com as anteninhas no vidro como se isso fosse me comover. E mesmo que eu me comova e abra a janela, as danadas não deixam o recinto. Elas querem é atucanar. No fim, antes mesmo do sol se pôr, elas perecem e caem todas no piso do quarto.

É muito breve a vida das abelhas. Sinto que, por não terem consciência do exato valor de cada minuto de sua existência, elas ficam ali batendo a cabeça contra o vidro, enquanto deveriam voar livres numa praça e não numa cortina florida.

E por mais que eu tente impedi-las de entrar, as danadas sempre encontram uma nova brecha, uma fresta de janela aberta. O quarto já não é mais meu. É delas. Elas que ditam meus horários, que determinam se eu vou andar descalça ou de havaianas. E sim, elas já me picaram. Adonaram-se também das minhas roupas. Não está longe o dia em que precisarei bater na porta e pedir licença para entrar no quarto que antes era só meu.

Abelhas, proponho uma trégua. Eu no meu canto, vocês na colmeia. Em paz. Cada uma cuidando da sua vida. Que tal?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sala de Espera

Não há lugar em que as pessoas se sintam mais tensas e intimidadas do que numa sala de espera. Não interessa se é para cortar o cabelo, fazer uma obturação ou mais uma sessão de terapia. E nesse ambiente tão pequeno as pessoas são obrigadas a conviver. Uma situação forçada pelo destino, que reúne naquele recinto gente que nunca se viu e talvez nunca mais vai se ver.

A tensão pode ser medida de várias maneiras. Pode ser pelo jeito como o guri de Nike e aparelho nos dentes bate o pé no chão. Insistente, forte, frequente. Ou pelo modo como a moça de vestido verde folheia displicentemente a revista de maio do ano passado. Ou a mulher, que tentando atender a tudo e a todos, tenta equilibrar a agenda sobre as pernas enquanto ajeita a sandália do filho pequeno e fala ao celular.

Na sala de espera, encarar o outro é quase um crime. Em geral, um boa tarde já está de bom tamanho. Olhar nos olhos do vizinho de poltrona é como que desafiá-lo. E há sempre um relógio barulhento, que insiste em marcar em alto e bom som, cada segundo do seu dia, desperdiçado em uma sala fechada, com revistas velhas, quadros antigos e aquele abajur empoeirado. O tempo nunca passa numa sala de espera.

Todos os grandes hits do passado tocam lá. E embora as pessoas não admitam, elas cantarolam as canções. Quem nunca entrou um consultório cuja trilha sonora é Kenny G? Ou num escritório em que o rádio estava sintonizado na Continental? Essa semana, enquanto aguardava, flagrei uma Macarena saindo das caixas de um salão de beleza.

Salas de espera são ambientes pequenos, feitos para que ali a gente (obviamente) apenas espere.

Pobres sofás castigados, pobres revistas Caras velhas e já desfolhadas, pobres flores de plástico já desbotadas pelo sol que entra pela janela atrás da secretária.

A vida na sala de espera precisa ser breve. A nossa espera, fora dela, já é grande demais.