quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sereno

A lágrima escorria do olho esquerdo e corria pelo rosto. Mais rápida que ela só a mão direita da Ninna que amparava a gota antes que chegasse ao queixo. Depois da quinta lágrima, a Ninna desistia de secar o rosto da amiga.

De olhar, foi paixão a primeira vista. Parece que estava escrito no caderno de tarefas do destino “em 2008, apresentar a Ninna para a Leila”. E foi assim que aconteceu. Pareciam duas irmãs que tinham sido separadas no parto. E a Leila nem precisava que a gravidade fizesse com que aquela montoeira de lágrimas despencasse. Antes que os olhos ficassem mais inundados que a Ilha Grande dos Marinheiros depois de três dias de chuva e vento sul, uma já sabe o que se passava com a outra.

Só de ver o brilho diferente no olho da Ninna, a Leila já sabia.

- Ele ligou, né? Não mente. To vendo nos teus olhos.

Nem precisava de resposta.

A Ninna decorou os suspiros da Leila. Mais longos para paixões, rápidos para o estresse, com balanço de ombros para cansaço e beicinho para tristeza.

Amiga que é amiga tem mais do que segredos e confidências. Tem uma intimidade que não se tem com qualquer um. Uma coisa de olhar nos olhos e saber o momento certo de abraçar, do jeito de dar um puxão de orelha com cuidado para não magoar e com o zelo de quem não que a amiga se machuque. A Ninna tinha muito dessas coisas de saber o tempo das coisas. A Leila, não.

O forte da Leila era falar. Nunca vi alguém abrir a boca pra falar um “se” e despejar tantas coisas. E no final, e a Ninna sempre repetia isso, a Leila acabava, depois de voltas e voltas, chegando à resposta que as duas procuravam. E era tudo tão simples, numa conversa calma, com ponderações e hipóteses, e no final, a grande resposta, o suspiro de alívio e o fim das dúvidas.

E as lágrimas, vezes salgadas e vezes doces, brindavam a amizade. Porque lágrima embriaga de felicidade, lava a alma e limpa o olhar. E porque para chorar na frente de alguém é preciso coragem, intimidade e confiança.

Choraram quando a Ninna não sabia mais o que queria da vida. Choraram quando ela descobriu que queria o que tinha, mas de um outro jeito. Choraram pelo telefone quando a Leila perdeu alguém que amava no mesmo dia em que a Ninna estava de aniversário. Choraram quando viram o Paul McCartney. Quando a Ninna se formou. Aquela vez em que viram a Torre Eifel do alto do Arco do Triunfo. E várias outras vezes, no final de um filme, no fim de uma piada.

E o choro da Ninna, emendado com o da Leila, tinha hora e local. No sofá preto do trabalho. No carro da Leila, antes do cinema. No banco de madeira branco em frente ao prédio da Ninna.

E o pacto de lágrimas da Ninna e da Leila é sem fim. Enquanto tiverem motivos para chorar sorrindo e lágrimas para serem derramadas. Porque sempre haverá uma mão direita para impedir que a gota chegue ao chão.

2 comentários:

  1. Lindo, Carol! Já posso adivinhar pra quem seja...

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  2. E a Ninna, é claro, chorou ao ler esta história. Chorou de alegria e emoção, por saber que a Leila sempre estará por perto e por reconhecer que essa amizade é um presente valioso. A vida é a arte do encontro, já dizia o poeta. E certos encontros são para toda a vida, tenho certeza!

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