segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Resumo das novelas

Sempre ouvi dizer que a pressa é a inimiga da perfeição e que o apressado come cru. Mas volta e meia me pego pensando qual a diferença entre o apressado e ao ansioso. Cheguei a uma conclusão. O ansioso não aguenta esperar. A pressa é uma consequência da sua angustia. O ansioso sofre por antecipação. Sofre pela possibilidade. Sofre pelo silêncio, pelo talvez.
O ansioso mal vive o hoje. Ele quer saber o que vai acontecer o amanhã. Como o cara que não espera pelo capítulo da novela e compra uma revista para ler o resumo da semana toda. Não é pela curiosidade e sim pela ânsia de saber. A dúvida consome o ansioso.
Como aquele que não aguenta ler um texto até o fim e corre logo para o final do livro. O ansioso estraga as surpresas. Embora ele goste delas, ele sempre quer estar a frente.
Quer sofrimento maior para o ansioso do que esperar por um exame, por uma consulta. Enquanto a resposta não for dada, seja sim, seja não, o ansioso estará se martirizando. Depois, passa e ele logo arruma uma dúvida nova para se preocupar.
Qual a sua dúvida agora?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Lealdade

É difícil encontrar alguém que nos entenda. Alguém que nos olhe nos olhos e, sem qualquer palavra, adivinhe exatamente o que queremos. Dizem que raramente encontramos alguém assim e, quando isso acontece, é mágico.
Vago sozinho pelas ruas de Porto Alegre, com fome e sede, um dia encontrei esse alguém. Não sei dizer quantos anos tenho. Sei que vivi o suficiente para me assustar com algumas coisas e não me surpreender com outras. De vez em quando eu faço aquela cara de quem caiu da mudança e arrumo um pouco de água e um prato de comida. Mas não um afago, não um olhar doce, não um amigo.
Até que um dia, numa dessas caminhadas sem destino encontrei um homem. Vestido de roupa laranja, daquelas que não tem como não ver nem no escuro, eu esbarrei nele. E foi de propósito. Deitado na calçada de uma rua cheia de árvores, ele dormia. O sono profundo e tranquilo me inspirou confiança. Me acheguei. Ele nem se importou, virou para o lado me dando espaço para deitar ao seu lado.
Não saí mais. Ele diz para todos os seus iguais que me conquistou com um pouco de água que aplacou a minha sede. Mentira. Ele não sabe, porque nunca conseguiu lhe dizer, que foi a sua respiração calma, o seu olhar tranquilo, a paz que ele me transmite.
Como não sei como dizer isso a ele, ando ao seu lado. Todos os dias. Faço isso para demonstrar-lhe minha afeição e gratidão, mas também porque sua companhia é a mais agradável de todas as que já experimentei. Não consigo ficar longe dele, de receber seu afago nas minhas costas, seus conselhos para não atravessar na frente dos carros.
Sou só um vira-latas perdido, com cara de riquinho mas sem qualquer pedigree. Eu era um cão errante, sem dono, sem destino, sem paradeiro. Não sou mais. Agora minha sina é andar ao seu lado enquanto recolhes as folhas secas caídas nas calçadas ou quando empurra aquele carrinho barulhento.
E vou continuar te olhando, com essa cara de quem não tem dono, mesmo já tendo. É a única forma que sei retribuir.

domingo, 7 de novembro de 2010

Chopp e lágrimas

Quanto tempo e qual distância separa os amigos? Sou da opinião que nenhuma. Sábado encontrei, sentada em uma mesa da bar na Cidade Baixa, uma amiga que não via desde março. No mesmo instante em que me aproximei da Jana, era como se a gente tivesse saído para tomar um café ontem.
A Jana mora longe, em Floripa. Desde março, quando voltou de Lisboa. A última vez que sentamos para conversar, para olhar uma nos olhos da outra e enxergar as feridas e alegrias de cada uma foi em Portugal, no início do ano. Mas na mesa daquele bar da Cidade Baixa parecia que tinha sido a cinco minutos.
A Jana tem o famoso "abraço quebra-costela". Só a gente abraça as amigas assim. Com força e o mesmo tempo com tanto carinho. E quem vê a Jana, pequenina, magrinha, não imagina que ela possa ser capaz de um abraço tão caloroso.
Entre um chopp e outro colocamos as fofocas em dia, como se a gente não se falasse por e-mail todos os dias. Olhar os amigos no olhos, segurar as mãos, ver que estão tristes ou felizes são outros 500. A Jana está sentindo falta da família e dos amigos. Ela não precisou dizer. Deu pra ver no fundo os olhos que se encheram de lágrimas quando eu e a Denise começamos a recordá-las das coisas que se passaram conosco em Roma e Lisboa. A Jana continua a mesma.
E depois de ver essa amiga, tão forte e tão corajosa, que me aconselha como se fosse uma irmã mais velha, fiquei com pena de que tenham sido tão poucas horas ao lado dela naquela mesma cerca de bolinhos e copos vazios. Foram poucas, mas intensas. A Jana faz muita falta. Mas um dia ela volta pra cá. Vai desfilar na Redenção com as saias longas, num estilo hippie, vai embalar o bebê da Deia e o da Gi. Vai dar gargalhadas com a Denise das piadas do Diego e vai chorar comigo. Pra compensar as lágrimas que deixei lá naquela mesa de bar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Do céu alaranjado

Nem todo mundo dá o devido valor a um pôr-do-sol. Acho que só quem dá valor é quem não pode vê-lo. Não, não estou falando das pessoas que não enxergam, mas sim das que são privadas deste espetáculo da natureza.
Gente que trabalha em lugares fechados ou sem janelas e que não pode assistir a lenta e gradual mudança de cores no céu. Me dei conta disso outro dia. Na sala de aula, entre 19h30min e 20h30min. Graças ao horário de verão.
Das grandes janelas dava para ver todas as tonalidades do céu. O vermelho, o alaranjado, o esverdeado e o azul que toma conta a cada minuto, como que cobrindo o sol com um lençol frio.
Tenho inveja de quem sai cedo do trabalho e aproveita os benefícios desse horário que começa em Outubro e termina em Fevereiro. Mais tempo para caminhar no sol sem suar as pencas. Mais tempo para sentar num café e apreciar a leve brisa que teima em despentear as mulheres. Mais tempo para jogar bola com os filho no quintal de casa sem atrasar a hora do tema e da janta.
É disso que sinto falta. Dessas horas de convívio. Talvez sinta mais falta das pessoas.
E é uma falta passageira que se vai quando o dia ganha uma hora a mais e as pessoas reclamam em voltar para o horário que tanto gostam. Pôr-do-sol e horário de verão só tem valor para quem não tem.