quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ponto cego

Sabe quando tu vem dirigindo na estrada e, do nada, surge um carro na pista do teu lado. Um carro que minutos atrás não estava ali. Tu sequer tinha ouvido o som do motor dele, ou notado a sua sombra ou faróis. Estava no ponto cego.
Aconteceu comigo outro dia. Eu andava na estrada, indo de casa para o trabalho, bem bela a contente, quando ouço uma buzina alta e contínua. Olhei pelo retrovisor, pelos espelhos laterais, e nada do tal carro. E a buzina continuava. Parecia que o motorista apertava mais forte a buzina que o acelerador do carro invisível.
De repente, levei meu carro para a esquerda, e vi surgir aquele carro. Parecia um Gol, daqueles da primeira geração. O motorista, brabo que só ele, reinava na direção. E furioso, ele sumiu, acelerando mais ainda.
Fiquei me questionando, porque as montadoras fazem carros com pontos cegos. Porque não vemos coisas tão óbvias e grandes quanto um carro que trafega quase ao nosso lado. Pelo menos, inventaram a buzina. Já não vejo, pelo menos posso ouvir.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Folha branca

Poucas coisas me deixam mais angustiada do que uma folha em branco. Eu não posso nem ver. Com uma caneta na mão eu rabisco um quadrado, sempre cheio e depois dele vários outros.
Há dias que a folha branca fica cheia de palavras soltas. Podem ser as palavras do interlocutor, ou as que primeiro vierem à minha cabeça. Depois, a mania de escrever é substituída pela de preencher as letras. As letras “O” ficam cheinhas, assim como as barriguinhas dos “Bs”.
Também não sei o motivo de fazer isso. Sei que não posso ficar parada frente à folha branca que parece gritar para ser preenchida. Eu tento. Nem sempre consigo. Acho que cada folha merece palavras específicas ou quadrados ou estrelas ou espirais únicas.
E quando a gente não consegue escrever as palavras que aquela folha branca pedia? Eu costumo guardar a folha. Não jogo fora. Ela é única, especial e dediquei a ela a minha melhor caligrafia, os minutos e a tinta da minha caneta. Guardo com carinho, por que essa folha nunca será igual a qualquer outra. Guardada, numa caixa especial bem fechada para que não amarele com o tempo e o sol, essa folha dá lugar à outra.
Acabei de guardar uma folha dessas. Eu, sinceramente, não queria deixá-la ir para a caixa. Tinha desenhos, palavras, estava amassada. Escrevi nela com canetas de várias cores, com brilho, opaca. Rabisquei nela com lápis de cor. Ficou linda, colorida, cheia de vida. Aquela folha branca, agora não mais pálida, foi colocada com cuidado e carinho na caixa das boas lembranças.
Agora, sobre a mesa, repousa uma folha branca nova, também única. Ainda não sei o que fazer com ela. Eu a olho e vejo a outra, a colorida, que eu ainda queria sobre a bancada. Talvez eu não tenha feito os desenhos como queria ou escrito as palavras que ela pedia.
Não consigo ouvir o que essa página nova quer de mim, o que grita, se quer palavras, desenhos, se quer virar uma dobradura. Não sei começo pelo canto direito superior ou o esquerdo inferior. Não sei o que fazer. Virar a página não é fácil e, às vezes, independe de nós.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O valor da chuva

Uma gota. Duas. Três. Dezenas. Milhares. Uma a uma elas caem no chão, na terra seca, nas folhas queimadas pelo sol. Ajudam a renovar a plantação, regam canteiros, umedecem os vasos de flor. Sempre achei que a chuva é sinal de boa sorte, de fartura, de renovação.
A chuva vem, caí, embala o sono, vai embora e fica tudo melhor. A grama verde, o perfume de terra molhada, o carro lavado.
É a chuva que dá graça aos dias de sol.
Quando chove por muitos dias, óbvio que a gente sente falta do sol, reclama de ter que carregar a sombrinha na bolsa, de andar com os pés molhados e da goteira no meio da sala. Mas se ela não vem, reclamamos do calor, do sol que queima a pele como fogo, do abafamento, do frescor da chuva.
Chuva é bom. Tempestade não. Tempestade arranca as árvores do chão, leva os móveis e vidas na correnteza. Tempestade é bagunça, é tirar as coisas de ordem, é mudar o rumo do que estava seguro. Chuva, não. Chuva é calma, é tranquilidade, é deixar que a água entre na terra e, pouco a pouco, alcance a raiz e promova uma mudança sutil na planta. Mais verde, mais forte, mais firme, mais viva.
Quero chuva e quero sol. Em equilíbrio. Tudo na medida certa e no seu tempo. Quero folhagens fortes, bonitas, férteis e felizes. Chega de tempestade.