quarta-feira, 15 de junho de 2011

Guarda-roupa

Se depender do guarda-roupa, a Lara jamais terá Alzheimer. Abrindo aquelas seis portas dá para saber mais sobre ela do que em álbuns de fotografias, diários, ou ficha policial.
Lara se deu conta disso outro dia. Me parou na rua, enquanto passeava com o cachorro. Nem ligou para as quatro sacolas de compras (pesadas) que eu carregava do súper até em casa. Queria me contar que havia lembrado de uma festa que fomos quando tínhamos 14 anos. Eu confesso que não lembrava.
- Nem eu. Mas o guarda-roupa me lembro – disse a Lara, me fazendo largar as sacolas no chão pra ouvir a história.
A tal memória havia voltado por causa de uma saia de tafetá cinza que eu e ela compramos numa loja de roupas de festa na Rua Muck. A tal loja tinha uma vitrine fantástica. Ampla, colorida, com vestidos que mais pareciam ter saído do tapete vermelho do Oscar, mas que havia sido importadas do Bom Retiro. Ficava em frente a uma papelaria em que íamos sempre. Primeiro porque ficava a duas quadras da escola e segundo por justamente ser em frente à loja.
A saia, manequim 36, que periga ela ainda conseguir vestir, estava guardada, enrolada em um papel de seda, dentro de uma caixa de papel, no fundo do roupeiro.
- Tu lembra como a gente usou aquela saia?
- Mais que o uniforme da escola.
Sim, era uma saia em sociedade.
Naquela época ela servia em todas nós, e a cada festa de 15 anos, ela passava para uma amiga usar. Isso só trocando o corpete, a sandália, a estola. Foi figurino em clube, em churrascaria, em CTG. Dançou É o Tchan, Mila, Dança do Vampiro e outras barbaridades que a gurizada dançava naquelas festas em que não se podia beber e em que todo mundo volta para casa graças à carona do pai de alguém.
A Lara foi enumerando as peças de roupa que tinha achado no armário. O vestido que foi no casamento de uma amiga nossa que recém se separou, o blusão de moletom bege que vestia no dia em que deu o primeiro beijo, uma roupinha de bebê bordada que ela usava e que a mãe guardou.
- Os roupeiros guardam mais segredos sobre nós e contam mais do que a nossa história do qualquer biografia. Quem sabe coisas que, escondidas no fundo do armário, a gente queira mais é esconder - me disse a Lara, me arrastando pelo braço.
Saí dali com as sacolas, devidamente acomodadas no porta-malas do carro da Lara, que ela foi buscar em casa, há duas quadras dali, depois de me convencer a ir com ela escolher um roupeiro novo.
Quer ter onde guardar memórias novas.
Mas jamais se desfazer das antigas. São elas que a fizeram ser louca desse jeito.
Pelo visto ela não costuma fazer muitas doações para a campanha do agasalho.

Um comentário:

  1. Carol, gostei muito do texto, como é bom ler coisas que nos remetem ao passado gostoso. Um grande bju!

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