segunda-feira, 28 de maio de 2012

E agora?

Caro S. Antônio,
Precisamos ter uma conversa séria.
No ano passado, quando lhe procurei para comprar um veículo, pedi que me recomendasse um produto de qualidade. Não precisava ser novo, podia estar rodado, mas não com a quilometragem alta, desde que não tivesse problemas no motor, amassados grandes na lataria. Eu avisei que não me importava a estética, desde que fosse à prova de roubos e que não despertasse a inveja.
Pois bem. Em razão da confissão que tenho em ti, comprei o carro, às cegas. Não pedi documentos, nem pra ver a lataria. Me contentei com as informações de que era seguro, que daria pro gasto e que estava no mercado fazia um certo tempo, e que o preço era razoável.
Tenho que admitir que quando o vi foi paixão à primeira vista. Ele estacionado no cair da tarde, numa rua movimentada, mas charmosa.
De longe, parecia tímido, discreto, mas de perto, um carrão.
Assinei os papéis e entrei no carro.
No primeiro mês foi tranquilo. Rodei bem, sem problemas, por que parecia que o carro se abastecia sozinho.
Foi aí que o carro começou a ter problemas.
Começou com aqueles engasgadas enquanto andava. Um dia, parou no meio da rua.
Consegui fazer pegar, no tranco, e levar até em casa.
Um dia, quando saí de casa, tinham levado o pobre do carrinho.
Perguntei na vizinhança e ninguém viu nada. Nem ladrão, nem alarme.
Simplesmente o carro sumiu. Evaporou. Derreteu.
Fiquei eu com o carnê na mão e a dor de ter perdido o carro seminovo, pelo qual eu estava encantada. Fazer o que, é do jogo.
Peguei o dinheiro do seguro. Quitei o carnê e segui a vida.
Foram cinco meses a pé, de ônibus e trem.
Cinco meses em que eu olhava pela janela da lotação e esperava ver o carrinho, de dono novo, na rua, rodando com placas clonadas ou amassado num daqueles depósitos na RS-118.
Um dia, doida que eu estava, só podia, vi o carro num congestionamento. Não deu uma semana e lá estava o popular 1.0 estacionado no shopping da zona sul. Miragem, só podia. Bem capaz que o carro sumido reapareceria.
Eu achei que era mentira no dia que em que saí de casa e ele estava lá, estacionado na frente de casa, por cima da faixa de pedestres. Limpo, lustrado, os pneus com aquela graxa preta que deixa ele brilhando. Até o lixinho dentro dele era o mesmo, colocado pelo moço do posto da esquina de casa.
E o carro estava aberto. Mais que isso: a chave estava na ignição.
Eu chorei de felicidade de ver ele de novo ali. Custei a acreditar.
Sentei na sacada de casa e lá de cima fiquei olhando para ver se alguém ia chegar para buscar ele. Duas horas e nada. Desci e perguntei para a moça da farmácia se ela tinha visto quem deixou o carro. Nada. Só o segurança da rua falou algo que me serviu de explicação: quando chegou de manhã cedinho, no nasce do sol, o carro já estava ali.
Tá, não tive dúvidas. Entrei. Cheirava a novo de novo.
Era bom demais.
Virei a chave. Ele acendeu o painel. O rádio funcionava. No pendrive as mesmas músicas.
Ar, limpador, faróis. Tudo perfeito.
Puxei o cinto de segurança. Botei em ponto morto e liguei.
Quem diz que pegava?
Pois então S. Antônio, o carro está estacionado desde aquele dia na frente de casa. Fechei, liguei o alarme, mas não me conformo com o fato de que ela não anda. Do que me adianta um carro que não roda?
Eu gosto de carro, é econômico, bonitinho, serve para o que eu preciso. Sabe aqueles carros que a gente gosta por gostar, mesmo dando trabalho, mesmo bebendo gasolina, mesmo seguro custando caro? Ele é desses. Mas tem que rodar. Nem que seja até a esquina.
O negócio é o seguinte. Já que você que me recomendou a loja precisa me ajudar: devolver e não ver mais o carro ou me ajudar a fazer ele funcionar.
Louca para voar as tranças com os vidros abertos,
C.A.