quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Retornável

Se dependesse da Nanda, o suporte de copos descartáveis da sala de espera do escritório já estaria zerado faz horas. Era passar pela porta para receber uma encomenda, atender um cliente, e lá ia ela pegar mais um.

Aquele barulho meio estridente dos copos de plástico se soltando um do outro irritava a Flávia. Afinal, era ela quem passava oito horas do dia atrás daquele balcão, atendendo telefone e recebendo os motoboys. Tinha um tique nervoso por causa do som dos copos.

A agonia da Flávia com aquele som e o curto tempo de vida dos copos de plástico branco fez com que no Natal passado ela desse para todos os 18 colegas do escritório uma daquelas canecas de R$ 1,99. Antes do Ano-Novo já haviam virado porta-clips, porta-caneta e até vaso de flor.

A Flávia já tinha sugerido que cada um só pudesse pegar um copo por dia. Que o plástico branco usado para não mais de 100 mililitros de água fosse reutilizado durante o dia. Em vão.

Seis passos da porta, um clique para tirar dois copos, porque eles sempre insistem em vir em par, dois segundo para devolver um para a pilha, mais 15 para enchê-lo de água gelada ou morna. Dois goles. E a cena se repetia ao menos 54 vezes ao dias úmidos e 162 nos dias mais secos do verão. A Flávia contava.

Na semana passada a paciência da Flávia se esgotou quando a funcionária da limpeza, fofoqueira que só ela, a chamou até a mesa da Nanda. Fofoca pura. Festa a Flávia contar quantos copos plásticos havia sobre a mesa, empilhados e secos, entre o computador e os post-it amarelos: 13.

Quando a Nanda chegou para trabalhar e foi direto a bombona de água antes mesmo de largar a bolsa e tirar os óculos de sol, a Flávia esbravejou:

- Parou, parou, parou!

- O que foi?

- Tu não toca em mais nenhum copo aí. A dona Zair, da limpeza, me mostrou a coleção de copos descartáveis que tu tem na tua mesa. Pega um de lá. Não vai pegar novo.

- Vou sim.

- Porque cargas d’água vocês não usam as canecas que eu dei? Copos de plástico são descartáveis, poluem, e ficar pegando um de cada vez não é bom.

- Agora tu vai regular os copos também? São descartáveis, são feitos para serem usados e jogados fora. É pra isso que servem, pra esse pequeno momento de matar a sede. Feita a tarefa, lixo.

- E porque não jogou aqueles 13 fora, hein Nanda?

- Porque me afeiçoei. Nem todo copo descartável a gente joga fora. Nem toca neles. Deixa eles lá. Bem quietinhos. Quando desafeiçoar, eu jogo fora.

- Tu tá louca, ?

E Nanda, sem nem dar as horas, levou a mão direita ao tubo transparente que guardava os copos novos.

- Tu não vai pegar um novo, vai?

- Só mais um para coleção! Depois boto fora. Prometo. Nada de caneca. Nada de lavar e cuidar para não quebrar.

E lá se foi a Nanda, com a sede saciada.

E lá ficou a Flávia, seca de ódio e agarrada na caneca de bolinhas marrom e bege que custou R$ 2,50.

2 comentários:

  1. Muito legal. Fiquei imaginando um cenário real. Mas me conta uma coisa: esse barraco rolou mesmo ou é ficcão pura?

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  2. Lágrimas de Areia

    Lá estava ela, triste e taciturna.
    Testemunha de efêmeros conflitos,
    Com um olhar perdido no tempo,
    Não exigia nada em troca
    A não ser um pouco de atenção.

    Sentia-se solitária, oca,
    Os homens admiravam-na pelos seus dotes.
    As crianças, em sua eterna plenitude,
    Admiravam-na muito mais além...
    ... Mais humana!

    De sua profunda melancolia
    Lágrimas surgiram.
    Elas não umedeceram o seu rosto,
    Mas secaram o seu coração,
    O poço da alma,
    Aumentando cada vez mais
    A sua sede.

    Lá ela permaneceu; estática, paralisada!
    Esperando que o vento do norte a levasse
    Para bem longe dali!

    O dia começou a desfalecer.
    Seu coração, outrora seco e vazio,
    Agora pulsava em desenfreada arritmia.
    Desespero!
    A maré estava subindo...

    Em breve voltaria a ser o que era:
    Um simples grão de areia.
    Quiçá um dia levado pelo vento,
    Quiçá um dia... Em um porto seguro.


    Do livro (O Anjo e a Tempestade) de Agamenon Troyan

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